Rosh Hashaná: o Propósito da Criação

Adaptado por Rabi Eliyahu Touger, das palestras do Rebe sobre a porção da Torá Nitzavim-Vayeilech (em 5744) e à Véspera de Rosh Hashaná, 5733.

Editado por Uri Kaploun, publicado em e com copyright © de Sichos in English. Apresentado aqui em inglês por AskNoah.org com permissão de Sichos in English.

Traduzido para o português pelo diretor do Projeto Noaismo Info para AskNoah.org

“Hoje o Mundo Nasceu”

Rosh Hashaná recorda a criação do mundo, como podemos ver na oração,[1] “Hoje o mundo nasceu”. De acordo com os Sábios judeus, no entanto, o mundo foi criado no dia 25 de Elul, de modo que Rosh Hashaná realmente marca o sexto dia da Criação, o dia em que D-us criou o ser humano.

Por que comemoramos a criação da humanidade e não a criação do mundo inteiro? Isto é especialmente estranho, dado que a criação do mundo demonstra o poder absoluto de D-us em SUA habilidade única de criar algo do nada.[2] Apenas a essência de D-us, livre de qualquer limitação, pode trazer a existência a partir do vazio absoluto.

O dia 25 de Elul, o primeiro dia da existência do mundo, se distingue ainda mais por ser referido na Torá[3] como “yom echad” (“um dia”), em vez de “yom rishon” (“o primeiro dia”). A Torá, portanto, indica que no primeiro dia da Criação, D-us estava “sozinho em SEU mundo.”[4] Apesar de que o mundo inteiro criado já existia, ele não estava separado de seu CRIADOR; o mundo era um com D-us.

A Aceitação Consciente da Soberania DELE

Apesar de sua singularidade, o dia 25 de Elul é eclipsado por Rosh Hashaná. Isto porque a criação do ser humano abriu uma relação nova e mais profunda entre D-us e o mundo criado.

De todos os seres nos mundos físico e espiritual, só o ser humano pode escolher aceitar a soberania de D-us. Apenas a sua relação com D-us provém de uma decisão consciente e do livre arbítrio.[5] Embora D-us cria e regula todos os outros seres do universo, eles não aceitam conscientemente esta relação. Sua ligação com D-us flui da faculdade criadora de D-us; não resulta de sua própria decisão.

Com a criação da humanidade, D-us introduziu o potencial para a aceitação voluntária de SUA unidade e o consentimento ativo à SUA vontade. O pensamento chassídico ilustra a diferença entre a relação de D-us com o ser humano e SUA relação com o restante da Criação ao contrastar duas formas de governo absoluto, a tirania e a soberania. Um tirano exerce domínio sem o consentimento de seus súditos, em virtude de seu poder; os súditos de um rei, mesmo se ele é um governante absoluto, podem aceitar de bom grado sua autoridade e buscar sua soberania.

Ao contrário de todos os outros seres criados, o ser humano tem a opção de aceitar o domínio de D-us ou de se rebelar contra ele. Somente ele recebeu o poder de reconhecer a Unidade de D-us através de seus próprios processos de pensamento, e de se relacionar com ELE como seu soberano.

Tornando D-us Parte de Nosso Mundo

Por que a soberania de D-us deve ser conscientemente percebida pelo ser humano? Da perspectiva de D-us, SUA Unidade com o mundo abrange todas as facetas da Criação. O ser humano raramente é capaz de conceber a Unidade de D-us a partir desta perspectiva. Por que, então, a mera consciência e reconhecimento do ser humano deve ser de tal importância?

Os Sábios judeus ensinam que D-us criou o mundo porque ELE “desejou uma morada nos mundos inferiores”. Para que este desejo seja realizado por completo, o estabelecimento de uma morada requer não apenas que a energia Divina se estenda a esses reinos inferiores, mas também que esses reinos estejam cientes da Divindade em seu meio e A aceitem. Só então se completa a habitação de D-us nos mundos inferiores.

Antes da criação da humanidade, a Divindade e o mundo pareciam ser opostos; o mundo, de sua própria perspectiva, não se relacionava com o potencial Divino com o qual era investido. Somente com a criação do ser humano surgiu a possibilidade de uma consciência internalizada de D-us.

Parceiro de D-us na Criação

O ser humano foi criado não apenas com o propósito de expressar unidade com D-us em sua própria vida; ele também recebeu o potencial de inundar o mundo inteiro com a consciência da Unidade de D-us. Adão, o primeiro homem, expressou este potencial no primeiro dia de sua existência ao dirigir-se a toda a Criação:[6] “Vinde, pois, adoremos e prostremo-nos em reverência ante O Eterno, nosso CRIADOR.”[7]

Ao transmitir sua relação superior com D-us ao mundo inteiro, o ser humano se torna parceiro de D-us na Criação e contribui com um elemento necessário para a existência do mundo – uma união consciente com D-us. Esta percepção exclusivamente humana da Unidade abrangente de D-us faz Rosh Hashaná, o dia da criação da humanidade, eclipsar o dia 25 de Elul, pois o potencial para a unidade com D-us que surgiu com a criação do ser humano ofuscou todos os níveis anteriores da Criação.

Etapas Diversas de Existência

A questão, no entanto, permanece: Por que nossas orações de Rosh Hashaná proclamam que o mundo foi formado nessa data? Mesmo que se reconheça que Rosh Hashaná tem precedência, foi no dia 25 de Elul que o mundo foi criado.

Esta pergunta pode ser respondida fazendo referência a um ponto da lei talmúdica… não se pode dizer que [um] objeto surgiu [plenamente] até que ele tenha sido completado[8].

Certos objetos podem ser considerados completos em qualquer de várias etapas. Peles de animais, por exemplo, podem ser usadas em uma etapa como capas ou cobertores, ou podem ser posteriormente tratadas e refinadas e transformadas em roupas…. A Mishná[9] determina que o status da pele depende de seu dono. Se se espera que o proprietário se contente com a pele como uma capa, a pele está [completada]. No entanto, se o proprietário é um curtidor que normalmente consideraria que a pele está inacabada nesta fase e se esperaria que a refinasse posteriormente para fazer uma roupa, ela é [considerada inacabada].

Esta halachá (lei da Torá) nos dá uma concepção do status da Criação antes do advento da humanidade. O dia 25 de Elul e os dias seguintes da Criação revelaram impressionantes poderes divinos. Esses poderes foram, no entanto, totalmente eclipsados pela criação do ser humano, que revelou um propósito mais profundo da Criação e um aspecto mais elevado da Divindade, assim como a pele do animal pode ser transformada em uma roupa por um curtidor habilidoso.

A revelação ocasionada pela criação do ser humano fez com que a existência anterior do mundo fosse considerada inacabada. Por meio da criação da humanidade, D-us estabeleceu uma nova definição de existência e, de acordo com esta nova definição, o mundo não existia anteriormente. O aniversário da criação da humanidade pode, portanto, ser considerado o aniversário da Criação como um todo.

“Como as Águas Cobrem o Mar”

O estado final de unidade entre D-us e o mundo será expresso na Era da Redenção, quando “o mundo se encherá do conhecimento de D-us como as águas cobrem o mar.”[10]

Isto será conseguido através dos esforços do ser humano. A revelação da Divindade na Era da Redenção depende de nossos esforços atuais para perceber e expressar a Divindade investida no mundo. Ao desenvolver um vínculo consciente com D-us e estender essa relação a cada elemento de nossa existência, aproximamos o tempo em que essa conexão florescerá e será plenamente realizada na Era da Redenção. Que isto se realize no futuro imediato.

Notas:

[1] A oração da liturgia judaica tradicional para Rosh Hashaná diz, em tradução: “Hoje o mundo nasceu; hoje ELE chama todos os seres criados dos mundos para que se postem em julgamento. [Somos considerados] como filhos ou como servos? Se somos como filhos, tem piedade de nós como um pai tem piedade de seus filhos; se como servos, nossos olhos estão postos em TI até que TU mostres TUA graça a nós e emitas nossa sentença como a luz, ó TEMIDO e SANTO.”

[2] Explicação de Rambán (Nachmânides) sobre Gênesis 1:1. Como Ráshi (em Gênesis 1:14) explica, no primeiro dia de existência, D-us criou o universo inteiro do nada (“ex nihílo”), trazendo à existência todos os componentes do céu e da Terra a partir do nada absoluto. Nos dias seguintes, os dias em que a Torá descreve várias entidades como que surgindo, D-us simplesmente “as formou”, fazendo novas entidades a partir da substância “existente”, dando-lhes características e localizações distintas.

[3] Gênesis 1:5.

[4] Explicação de Rashi em Gênesis 1:5.

[5] Veja Rambám (Maimônides), Mishnê Torá, Leis do Arrependimento, cap. 5, que é relevante para judeus, noaítas (Bnei Noach), e todos os seres humanos.

[6] Do Zôhar.

[7] Salmos 95:6.

[8] Veja Rambam, Mishnê Torá, Leis dos Utensílios 5:1.

[9] Do Tratado Kelim.

[10] Isaías 11:9, citado por Rambam na conclusão da Mishnê Torá [As Leis dos Reis, cap. 12].

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